O homem que reinventou o pensar
WALTER GALVÃO
Difícil escapar à atração da obra de Claude Levi-Strauss, o pesquisador das dimensões do humano que morreu no início da semana. Quem escreve por profissão, lazer ou luxo. Quem pensa a ciência por obrigação, sina ou castigo. Quem pratica arte, pedagogia, medicina, comunicação. Quem pensa em si e a si mesmo no espelho, na TV, na missa, no terreiro, na cultura. Todo aquele, aquela que pensa, age, percebe, em algum momento encontrou ou encontrará a provocação definitiva que é essa obra viva e em aberto como é a própria vida em comunidade, individual, dissolvida em arte, cultura, lógica ou sonho.
Uma obra que é mapa da mina contra ódio racial e intolerância, contra o etnocentrismo e o eurocentrismo. Obra que se posicionou contra toda forma de pensar excludente, que elevou o mito à condição de estrutura lógica da razão, que elevou a razão à condição de expressão comum a todos os povos, que construiu nova lógica, nova ciência, novo método de abordagem do fenômeno cultural.
O filósofo que se reinventou antropólogo no Brasil na década de 1930 do século 20 viveu 100 anos, a maioria dos quais dedicados a redescrever as forças tempestuosas, psíquicas, mentais, que nos impõem definições sobre usos da linguagem para representar mundos particulares, arbitrários, totalizantes, em convergência e em guerra.
Claude Levi-Strauss propôs vida, sentido e razão nova a antropologia. Arrancou-a do nicho da ciência que se preocupava em estudar o homem (antropos=homem;logos=razão) enquanto presença natural, física, capaz de transformar tudo à sua volta numa trajetória evolutiva linear sobre a flecha do tempo num único espaço, o social natural e num único sentido: da "barbárie" para o conhecimento. A antropologia sem Levi-Strauss era história natural, arqueologia e sociologia comparada.
A antropologia, esta luz para uso em cavernas de incrompreensão, sob a regência de Levi-Strauss transformou-se numa descoberta permanente de novos percursos de verdades em situações antes consideradas naturais. Ele identificou e provou cientificamente que as relações de parentesco, por exemplo, era um organizado, complexo e mutante sistema de comunicação e não o simples desdobramento da convivência em comum necessária e inescapável da família nucleaer. Isto em sociedades tão diversas como a inglesa dos anos 30 do século passado quanto a dos índios brasileiros por ele estudados na mesma época.Ao criar a antropologia estruturalista, adaptando conceitos revolucionários da linguística em busca da compreensão dos percursos imaginativos da linguagem expressando o todo do ser, o antropólogo produziu uma nova realidade interpretativa e perceptual do que somos enquanto espécie, cultura, força natural e agente de transformação.
Exibiu novas simetrias entre formas de pensar de várias cultura, elevou ao mesmo patamar de importância histórica grupos étnicos diferenciados, concluiu novos parâmetros para a interpretação dos jogos dos sentidos nas culturas e descobriu novos métodos de construção de mitos.
Entre os que estudaram, estudam a obra por ele construída, milhares de páginas técnicas e livros fundamentais como "Tristes trópicos", "O cru e o cozido", "Raça e história" há a certeza da genialidade desse pastor de mitos que se fez exemplo de perspicácia científica.
Comparado a Darwin e a Freud pela força do trabalho com o inconsciente projetado nos mitos, Levi-Straus deu contribuição inovadora ao debate sobre a dimensão da cultura e da civilização. Seus críticos persistem na pergunta: ele descreveu ou inventou as categorias que firmou? Se dissermos sim para ambas as questões, restará o pensar original de um gênio que contribuiu para mudar a própria contemporaneidade. Isso foi bom para todos nós.
WALTER GALVÃO
Difícil escapar à atração da obra de Claude Levi-Strauss, o pesquisador das dimensões do humano que morreu no início da semana. Quem escreve por profissão, lazer ou luxo. Quem pensa a ciência por obrigação, sina ou castigo. Quem pratica arte, pedagogia, medicina, comunicação. Quem pensa em si e a si mesmo no espelho, na TV, na missa, no terreiro, na cultura. Todo aquele, aquela que pensa, age, percebe, em algum momento encontrou ou encontrará a provocação definitiva que é essa obra viva e em aberto como é a própria vida em comunidade, individual, dissolvida em arte, cultura, lógica ou sonho.
Uma obra que é mapa da mina contra ódio racial e intolerância, contra o etnocentrismo e o eurocentrismo. Obra que se posicionou contra toda forma de pensar excludente, que elevou o mito à condição de estrutura lógica da razão, que elevou a razão à condição de expressão comum a todos os povos, que construiu nova lógica, nova ciência, novo método de abordagem do fenômeno cultural.
O filósofo que se reinventou antropólogo no Brasil na década de 1930 do século 20 viveu 100 anos, a maioria dos quais dedicados a redescrever as forças tempestuosas, psíquicas, mentais, que nos impõem definições sobre usos da linguagem para representar mundos particulares, arbitrários, totalizantes, em convergência e em guerra.
Claude Levi-Strauss propôs vida, sentido e razão nova a antropologia. Arrancou-a do nicho da ciência que se preocupava em estudar o homem (antropos=homem;logos=razão) enquanto presença natural, física, capaz de transformar tudo à sua volta numa trajetória evolutiva linear sobre a flecha do tempo num único espaço, o social natural e num único sentido: da "barbárie" para o conhecimento. A antropologia sem Levi-Strauss era história natural, arqueologia e sociologia comparada.
A antropologia, esta luz para uso em cavernas de incrompreensão, sob a regência de Levi-Strauss transformou-se numa descoberta permanente de novos percursos de verdades em situações antes consideradas naturais. Ele identificou e provou cientificamente que as relações de parentesco, por exemplo, era um organizado, complexo e mutante sistema de comunicação e não o simples desdobramento da convivência em comum necessária e inescapável da família nucleaer. Isto em sociedades tão diversas como a inglesa dos anos 30 do século passado quanto a dos índios brasileiros por ele estudados na mesma época.Ao criar a antropologia estruturalista, adaptando conceitos revolucionários da linguística em busca da compreensão dos percursos imaginativos da linguagem expressando o todo do ser, o antropólogo produziu uma nova realidade interpretativa e perceptual do que somos enquanto espécie, cultura, força natural e agente de transformação.
Exibiu novas simetrias entre formas de pensar de várias cultura, elevou ao mesmo patamar de importância histórica grupos étnicos diferenciados, concluiu novos parâmetros para a interpretação dos jogos dos sentidos nas culturas e descobriu novos métodos de construção de mitos.
Entre os que estudaram, estudam a obra por ele construída, milhares de páginas técnicas e livros fundamentais como "Tristes trópicos", "O cru e o cozido", "Raça e história" há a certeza da genialidade desse pastor de mitos que se fez exemplo de perspicácia científica.
Comparado a Darwin e a Freud pela força do trabalho com o inconsciente projetado nos mitos, Levi-Straus deu contribuição inovadora ao debate sobre a dimensão da cultura e da civilização. Seus críticos persistem na pergunta: ele descreveu ou inventou as categorias que firmou? Se dissermos sim para ambas as questões, restará o pensar original de um gênio que contribuiu para mudar a própria contemporaneidade. Isso foi bom para todos nós.
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