O Supremo: um mal-estar
JOAQUIM FALCÃO
Mas afinal, o que se passa com o Supremo? Há visível mal-estar no ar, público desconforto entre ministros. Serenidade e colegialidade parecem diminuir.
O Supremo hesita, se autoproblematiza, é controvertido, mas goza do respeito de todos. Tem o do Legislativo, Executivo, sociedade, mídia, profissionais jurídicos e cidadãos.
Porém se revela insatisfeito consigo mesmo. Poderoso como nunca.Índices de confiabilidade nos políticos e no Congresso são insuficientes. A confiança na pessoa do presidente se sobrepõe à confiança na instituição Poder Executivo.
Mais do que nunca, o país precisa do Supremo. O princípio do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura se faz mais necessário: o magistrado tem que ser independente e sereno.O grau de conflitualidade potencial em qualquer organização não depende apenas do fator humano. Existem formatos organizacionais mais propícios ao conflito do que outros.
O Supremo adotou decisões nos últimos anos que estimularam ambiente não cooperativo e intraconcorrencial.Primeiro foi permitir ministros falarem fora dos autos e das sessões de julgamento. Esse padrão começou como defesa dos interesses orçamentários e administrativos do Judiciário perante críticas do Congresso.
Depois se ampliou para pronunciamentos isolados, que pretendiam ser opiniões em tese, mas são cada vez mais relacionados a casos concretos e divergências doutrinárias entre ministros.Revelando, sugerindo ou insinuando pré-opiniões, pré-posicionamentos, prejulgamentos.Esse comportamento faz o instante da celebridade individual a erosão da legitimidade institucional.
Esse padrão se expandiu e contamina inclusive instâncias inferiores. Muita vez o julgamento começa em entrevistas em jornais e TV, concretiza-se ou não em votos e continuam em opiniões na mídia. Alguns ministros ainda seguem o conselho de Disraeli: nunca se desculpar, nunca se explicar, nunca se queixar. A não ser, é claro, nos autos.
Mas o abandono do silêncio e recato é crescente.
Esse comportamento organizacional acabou por agravar um clima de insegurança jurídica perante a opinião pública, que dificilmente distingue o ministro do Supremo da instituição. Aquele se incorpora nesta.A segunda decisão foi se abrir ao Brasil e ao mundo, transmitindo ao vivo suas sessões. Política de transparência total de objetivos meritosos.Estimularia a compreensão popular da interpretação constitucional. O cidadão tocaria com os olhos o fazer da Constituição.
Avançariam a educação cívica, a obediência à lei e a implantação do Estado de Direito.Acontece que, no Estado de Direito, o Supremo enfrenta paradoxo que exige delicada cautela. Sua maior contribuição é assegurar que decisões sejam recebidas como imparciais e racionais. Entretanto, sabemos que não o são. Existe margem de discricionariedade inerente ao ato de julgar, em que múltiplas opções políticas, balizadas pelas formas legais, se traduzem em doutrinas jurídicas diferentes.
E estas, em votos divergentes. Todos plausíveis, diria Eros Grau.A intensa publicização da individualização das divergências gera custos políticos, pretenda-se ou não. Massifica compreensões e incompreensões na sociedade. Revela preferências e individualismos.
A simbologia política da impessoalidade e imparcialidade, ao se desfazer no ar, de tão sólida, estimula uma deslegitimação. Não existe direito fora de sua comunicação.A terceira decisão organizacional pode contribuir para esse mal-estar: o presidente do Supremo é também o do CNJ. Às vezes, este tem que falar, aquele tem que calar. Às vezes o CNJ decide numa direção e o Supremo o corrige noutra.
O presidente de ambos envia mensagem diferente à opinião pública.O fato é que a autoridade do Supremo reside também na raridade de sua fala, alerta Paulo Daflon. Reside não apenas na incerteza legal da decisão mas também na previsibilidade e no rigor do rito decisório, que deve ser cada vez mais colegiadamente institucionalizado, cada vez menos autonomamente individualizado.Quando se abandona esse padrão, a sociedade reage.
Propostas para mudar o mandato dos ministros, acabar com a vitaliciedade terrena eterna e tornar mais rigoroso o processo seletivo no Congresso ganham força.Na democracia, o STF é lócus das divergências interpretativas. Sem divergências, estaríamos na ditadura judicial. É bom também que a cidadania entenda cada vez melhor de opções políticas judicializadas. Mas é indispensável que isso seja feito em ambiente organizacional colaborativo, com limites claros para comportamentos individuais.Do contrário, mal está.
JOAQUIM FALCÃO
Mas afinal, o que se passa com o Supremo? Há visível mal-estar no ar, público desconforto entre ministros. Serenidade e colegialidade parecem diminuir.
O Supremo hesita, se autoproblematiza, é controvertido, mas goza do respeito de todos. Tem o do Legislativo, Executivo, sociedade, mídia, profissionais jurídicos e cidadãos.
Porém se revela insatisfeito consigo mesmo. Poderoso como nunca.Índices de confiabilidade nos políticos e no Congresso são insuficientes. A confiança na pessoa do presidente se sobrepõe à confiança na instituição Poder Executivo.
Mais do que nunca, o país precisa do Supremo. O princípio do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura se faz mais necessário: o magistrado tem que ser independente e sereno.O grau de conflitualidade potencial em qualquer organização não depende apenas do fator humano. Existem formatos organizacionais mais propícios ao conflito do que outros.
O Supremo adotou decisões nos últimos anos que estimularam ambiente não cooperativo e intraconcorrencial.Primeiro foi permitir ministros falarem fora dos autos e das sessões de julgamento. Esse padrão começou como defesa dos interesses orçamentários e administrativos do Judiciário perante críticas do Congresso.
Depois se ampliou para pronunciamentos isolados, que pretendiam ser opiniões em tese, mas são cada vez mais relacionados a casos concretos e divergências doutrinárias entre ministros.Revelando, sugerindo ou insinuando pré-opiniões, pré-posicionamentos, prejulgamentos.Esse comportamento faz o instante da celebridade individual a erosão da legitimidade institucional.
Esse padrão se expandiu e contamina inclusive instâncias inferiores. Muita vez o julgamento começa em entrevistas em jornais e TV, concretiza-se ou não em votos e continuam em opiniões na mídia. Alguns ministros ainda seguem o conselho de Disraeli: nunca se desculpar, nunca se explicar, nunca se queixar. A não ser, é claro, nos autos.
Mas o abandono do silêncio e recato é crescente.
Esse comportamento organizacional acabou por agravar um clima de insegurança jurídica perante a opinião pública, que dificilmente distingue o ministro do Supremo da instituição. Aquele se incorpora nesta.A segunda decisão foi se abrir ao Brasil e ao mundo, transmitindo ao vivo suas sessões. Política de transparência total de objetivos meritosos.Estimularia a compreensão popular da interpretação constitucional. O cidadão tocaria com os olhos o fazer da Constituição.
Avançariam a educação cívica, a obediência à lei e a implantação do Estado de Direito.Acontece que, no Estado de Direito, o Supremo enfrenta paradoxo que exige delicada cautela. Sua maior contribuição é assegurar que decisões sejam recebidas como imparciais e racionais. Entretanto, sabemos que não o são. Existe margem de discricionariedade inerente ao ato de julgar, em que múltiplas opções políticas, balizadas pelas formas legais, se traduzem em doutrinas jurídicas diferentes.
E estas, em votos divergentes. Todos plausíveis, diria Eros Grau.A intensa publicização da individualização das divergências gera custos políticos, pretenda-se ou não. Massifica compreensões e incompreensões na sociedade. Revela preferências e individualismos.
A simbologia política da impessoalidade e imparcialidade, ao se desfazer no ar, de tão sólida, estimula uma deslegitimação. Não existe direito fora de sua comunicação.A terceira decisão organizacional pode contribuir para esse mal-estar: o presidente do Supremo é também o do CNJ. Às vezes, este tem que falar, aquele tem que calar. Às vezes o CNJ decide numa direção e o Supremo o corrige noutra.
O presidente de ambos envia mensagem diferente à opinião pública.O fato é que a autoridade do Supremo reside também na raridade de sua fala, alerta Paulo Daflon. Reside não apenas na incerteza legal da decisão mas também na previsibilidade e no rigor do rito decisório, que deve ser cada vez mais colegiadamente institucionalizado, cada vez menos autonomamente individualizado.Quando se abandona esse padrão, a sociedade reage.
Propostas para mudar o mandato dos ministros, acabar com a vitaliciedade terrena eterna e tornar mais rigoroso o processo seletivo no Congresso ganham força.Na democracia, o STF é lócus das divergências interpretativas. Sem divergências, estaríamos na ditadura judicial. É bom também que a cidadania entenda cada vez melhor de opções políticas judicializadas. Mas é indispensável que isso seja feito em ambiente organizacional colaborativo, com limites claros para comportamentos individuais.Do contrário, mal está.
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