A corrupção no Brasil é sistêmica
WALTER GALVÃO
A corrupção no Brasil é uma prática que é interpretada pela população brasileira como algo que está no sangue, e do qual é quase impossível se livrar. Para reduzir a presença da corrupção no dia a dia dos brasileiros só uma profunda mudança na forma de pensar e de agir, não basta apenas operar mudanças nas leis.
Estas conclusões são da psicóloga social Sandra Jovchelovitch (foto), cientista que integra o quadro docente de uma das mais importantes universidades européias, a London School of Economics, no Reino Unido. Ela deu entrevista à jornalista Fernanda Mena, do diário “Folha de S. Paulo”, publicada nesta segunda-feira, a propósito do novo escândalo envolvendo a classe política, desta vez em Brasília. Autora de uma pesquisa sobre a corrupção que deu origem ao livro "Representações Sociais e a Esfera Pública" (ed. Vozes), ela argumenta sobre os múltiplos aspectos do ataque aos recursos públicos pelo batalhão de corruptos que infesta a vida nacional.
Reproduzimos a seguir alguns trechos da entrevista:
“A corrupção no Brasil é um problema sistêmico. Ela se alicerça em avatares muito profundos da nossa cultura, o que explica a recorrência dos escândalos e a nossa incapacidade histórica em lidar institucionalmente com eles. Isso está vinculado a uma autointerpretação do brasileiro de que nós somos um povo corrupto, de que a corrupção está na constituição do nosso corpo político e social. O marechal Floriano Peixoto expressou essa ideia muito bem quando convocou o Exército a invadir Canudos. Ele disse: "Como um liberal que sou, eu não posso desejar para o meu país o governo da espada. Mas esse é um governo que sabe como purificar o sangue do corpo social, que, como o nosso próprio, é corrupto!". Essa ideia do sangue corrupto, da natureza corrupta -que a antropologia chama de "mal de origem" e que a psicologia social investiga como representação no cotidiano- está arraigada no imaginário brasileiro”.
“Sei que isso não é muito politicamente correto de dizer, mas existe uma simetria no comportamento que nós encontramos no cotidiano da população com o comportamento que encontramos na política. Essa simetria se fundamenta na interpretação do espaço público como um espaço de ninguém, ou simplesmente do "outro" [conceito desenvolvido pelo crítico literário Edward Said no livro "Orientalismo"]. A própria política, como arena pública, se torna um espaço para o exercício do interesse privado. E, como a esfera pública é desvalorizada, o ato de corromper se torna muito mais fácil”.
“Existe um consenso de que a corrupção, assim como qualquer ato criminoso, é sempre uma possibilidade. Não é possível erradicar a corrupção porque ela é um erro humano. O que podemos fazer é construir procedimentos na esfera pública desenhados para lidar com situações de risco. Só que essa tarefa se torna mais difícil nas esferas públicas marcadas por uma cultura em que o privado tem preponderância. Para resolver o problema no país, vamos ter que mexer no imaginário da sociedade sobre o espaço público, mudar a nossa relação com esse espaço”.
WALTER GALVÃO
A corrupção no Brasil é uma prática que é interpretada pela população brasileira como algo que está no sangue, e do qual é quase impossível se livrar. Para reduzir a presença da corrupção no dia a dia dos brasileiros só uma profunda mudança na forma de pensar e de agir, não basta apenas operar mudanças nas leis.
Estas conclusões são da psicóloga social Sandra Jovchelovitch (foto), cientista que integra o quadro docente de uma das mais importantes universidades européias, a London School of Economics, no Reino Unido. Ela deu entrevista à jornalista Fernanda Mena, do diário “Folha de S. Paulo”, publicada nesta segunda-feira, a propósito do novo escândalo envolvendo a classe política, desta vez em Brasília. Autora de uma pesquisa sobre a corrupção que deu origem ao livro "Representações Sociais e a Esfera Pública" (ed. Vozes), ela argumenta sobre os múltiplos aspectos do ataque aos recursos públicos pelo batalhão de corruptos que infesta a vida nacional.
Reproduzimos a seguir alguns trechos da entrevista:
“A corrupção no Brasil é um problema sistêmico. Ela se alicerça em avatares muito profundos da nossa cultura, o que explica a recorrência dos escândalos e a nossa incapacidade histórica em lidar institucionalmente com eles. Isso está vinculado a uma autointerpretação do brasileiro de que nós somos um povo corrupto, de que a corrupção está na constituição do nosso corpo político e social. O marechal Floriano Peixoto expressou essa ideia muito bem quando convocou o Exército a invadir Canudos. Ele disse: "Como um liberal que sou, eu não posso desejar para o meu país o governo da espada. Mas esse é um governo que sabe como purificar o sangue do corpo social, que, como o nosso próprio, é corrupto!". Essa ideia do sangue corrupto, da natureza corrupta -que a antropologia chama de "mal de origem" e que a psicologia social investiga como representação no cotidiano- está arraigada no imaginário brasileiro”.
“Sei que isso não é muito politicamente correto de dizer, mas existe uma simetria no comportamento que nós encontramos no cotidiano da população com o comportamento que encontramos na política. Essa simetria se fundamenta na interpretação do espaço público como um espaço de ninguém, ou simplesmente do "outro" [conceito desenvolvido pelo crítico literário Edward Said no livro "Orientalismo"]. A própria política, como arena pública, se torna um espaço para o exercício do interesse privado. E, como a esfera pública é desvalorizada, o ato de corromper se torna muito mais fácil”.
“Existe um consenso de que a corrupção, assim como qualquer ato criminoso, é sempre uma possibilidade. Não é possível erradicar a corrupção porque ela é um erro humano. O que podemos fazer é construir procedimentos na esfera pública desenhados para lidar com situações de risco. Só que essa tarefa se torna mais difícil nas esferas públicas marcadas por uma cultura em que o privado tem preponderância. Para resolver o problema no país, vamos ter que mexer no imaginário da sociedade sobre o espaço público, mudar a nossa relação com esse espaço”.
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